1° vítima.

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2 min readJan 21, 2023

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Ao retirar a faca ele percebeu, estava morto. E foi a única vez nesses últimos tempos que essa angústia foi substituída por um deleite inigualável. Os seus motivos eram pobres, o egoísmo o moveu, o sucumbiu, seu ego finalmente venceu.

Sim, aquele animal estava morto. Aquele animal tinha um nome, tinha uma história, tinha erros, uma desprezível bagagem de humanos acontecimentos que construía um ridículo compilado de momentos, um passado. E ao retirar a faca de sua barriga, com dificuldade, pois a sua lâmina havia ficado presa a carne, o sangue se espalhou.

Se espalhou por toda sua roupa, o sangue, agora o tão dito de forma minúscula e insignificante, havia tomado conta da cena. Como um ato de resposta, de reação, ele continuou a sequência de facadas em diferentes lugares do corpo do animal, o abdômen, o peito, a nuca, o pescoço.

Quebrou ossos, alcançou órgãos, em um ritmo cadenciado, orquestrado, violento, quase teatral. Com força, com ferocidade, um desabafo. A cada facada era uma palavra, um grito, uma chama em sua mente que era apagada, uma morte naqueles que os perseguiam. O corpo do animal era o seu refúgio.

De forma que o mundo não tinha o mesmo sentido mais para ele, e que as estrelas não brilhariam mais da mesma forma, e que os céus se fechariam, a chuva queimaria e o sol se tornaria negro; ele não ligava para absolutamente nada disso, a dor que sentiria a partir de hoje por consequência dos seus atos se tornaria recompensa e prazer e nenhuma dor seria tão angustiante quanto aquela que o precedia, perseguia, a que ele enterrou nas entranhas do animal, agora morto, esfolado vivo.

Arrancou sua cabeça e o olhou nos olhos, olhos distantes, diferente dos do dele, que estava fixado, preso ao sussurro da morte em seus ouvidos. Deu um último recado ao resto de alma que sobrava no animal, ou que ele achava que algum dia já existiu. Garantiu que a carcaça soubesse o seu lugar, para onde iria e que merecia, merecia o que aconteceu. Então, levantou, escutou a voz do grande Diabo que dizia:

“De volta a sua jaula.”

Ao retirar a faca ele percebeu, estava morto. E foi a única vez nesses últimos tempos que essa angústia foi substituída por um deleite inigualável. Os seus motivos eram pobres, o egoísmo o moveu, o sucumbiu, seu ego finalmente venceu.

Escrito num sábado.

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