13 de agosto.

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6 min readAug 13, 2024

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a falta de bolsos frontais está acabando comigo, fisicamente e espiritualmente falando. de forma física, eu enxergava um valor muito discreto em apenas se apoiar na parede de vidro do metrô e colocar as mãos no bolso, causando assim um equilíbrio perfeito. tenho que colocar as mãos na cintura agora e não sei se sou um homem de mãos na cintura. de forma espiritual, sou obrigado a colocar meus cigarros no bolso de trás e por culpa de marcos, acreditei que não iria amassar meus cigarros. amassou e eles ficaram horríveis, finos e com um gosto terrível.

a ansiedade também está acabando comigo, o cotidiano enjoo, a falta de compreensão em alguns momentos, a paranoia, o impulso. a falta de amor dentro de minhas entranhas, alma, espírito, na base de meu ser, no meu sangue que corre em meus braços cheios de cicatrizes, também está acabando comigo.

ultimamente estresse e impaciência, ao menos em ambiente profissional, também são coisas que me acompanham diariamente. agora, com dois amigos trabalhando comigo, consigo expressar isso com facilidade, principalmente com marcos. o coitado é obrigado a ouvir diante a fumaça de vários cigarros, que são acesos e fumados com frequência, uma série de quase gritos impedidos pela polidez social, educação e civilização a se portar em tais ambientes, derramados em inúmeras queixas desde a minha vida profissional até a minha vida pessoal. ele é meu confessionário, meu padre, meu parceiro de crime e até mesmo um exemplo.

em contraste, mergulhando nesse oceano vazio e escuro você também pode encontrar um cansaço e arreatividade tão grande diante a monólitos brilhosos e placas que já foram outdoors nos cumes de minha mente. a sensação hollywoodiana e todos seus dramas, de alguma forma ou outra me obrigam pouco a pouco a assistir seu filme, calado, quieto, anotando e guardando críticas apenas para mim. tais críticas que apenas vou bradar quando tiver contra uma tela de madeira estabelecida dentro de uma igreja.

consigo lembrar de quando fui uma estrela de cinema também, ou ao menos dividi cenas e tive tempo de tela. pouco a pouco me torno mais sem graça, mais passivo e mais seguro. alguém que transparecia ameaça aos outros, hoje apenas consegue isso se a segunda pessoa travar seus olhos aos meus.

aos olhos da câmera que eu gostaria sim ser filmado, me sinto invisível. como se o diretor dessa obra quisesse estabelecer um intervalômetro guiado por um plano fixo e um monólogo por trás. essa voz que narra o monólogo também não é minha.

posso estar errado em relação a tudo isso e me sinto bem com essa possibilidade. me sinto “bem” com muitas possibilidades. a do falhar, ser esquecido, não ser filmado, olhado, acariciado, a de não fazer a barba, a de não comprar um travesseiro, a de ser culpado, a de perder a habilidade de fazer cinema, a de não aprender aquela música com acordes tão complicados, a de simplesmente desistir.

no entanto, encaro o suicídio como uma resolução pragmática. me desvencilhei da ideia dramática e até egoísta de se matar. em meados do ano passado, planejei fazer um curta onde faltaria uma semana para me matar e durante esses dias teria planos de onde eu vivia acompanhado a poemas recém escritos. é preguiçoso falar que eu apenas queria olhares. acho que queria fazer de minha morte uma grande obra prima e apostar que isso iria chocar meus telespectadores. o plano era terminar, editar, publicar e na mesma noite me suicidar. não consegui, faltou organização de minha parte. também me desvinculei a ideia de alívio e descanso na morte, não acho que deva existir um alívio ou de fato um repouso no ato de se suicidar. talvez numa morte natural, onde você fecha os olhos em sua cama cara acompanhada por um cheiro amadeirado que permeia em seu quarto e seus netos dão risadas e correm lá fora sem dar a mínima pra você, nesse caso sim, seria descansar.

a ideia de suicídio pragmático é apenas uma solução “rápida” e “fácil” para rostos que não quero ver, cômodos em que não quero estar, discursos que não quero falar, pessoas que não quero estar, consequências que não quero arcar. não existe um teor empático ou de amor próprio nesse movimento. talvez, seja o pior de todos. no fim, acabo contemplando a idealização sem planejamento e desorganizado o suficiente para tomar um passo pra frente.

no fim das contas, percebi que não quero morrer. morreria, se fosse necessário. mas não quero.

percebi com a ajuda de você que falta amor dentro de mim. percebi a vontade de viver os dias olhando para os céus tentando buscar fragmentos de amor nas nuvens, mesmo quando meus olhos esbarrarem contra a luz do sol. fiz minha barba, decidi aprender aquela música difícil de novo, coloquei um travesseiro na minha lista de compras. um traficante uma vez me disse que antes de amar alguém, eu deveria me amar. não só ele, minha mãe também havia me dito. não levei nenhum dos dois a sério, mas hoje é impossível não entender o que os dois me queriam dizer.

poupei a quem eu amo de sentir a reverberação de minha própria frustração, ódio e desprezo pelos que eu julgo que merecem adquirir isso, e acredito que impedi o alastramento desses demônios em minha alma, ao menos um pouco.

possa, talvez, ter confundido amor com paixão. de ter embaralhado as definições de fogo e força instintiva e implacável que renova o contrato enquanto o individuo possuído está embriagado, com a sensação solene e sútil de vestir a pele de outra pessoa.

decidi que não era tarde demais, e além de encarar as nuvens, decidi encarar meus problemas. parei de beber e hoje é o terceiro dia sóbrio. pensei na possibilidade de me permitir sofrer feito um bebê recém nascido e foi aterrorizante de início, muito pior do que qualquer ressaca, mas foi o que realmente é e isso que importa.

hoje pensei na primeira vez que falei que te amava. por um instante, lá estava eu, dois anos mais novo, com uma pele e dentes mais tratados, com uma jovialidade ameaçadora e encantadora, o maxilar diamante e olhos em brasa, coração pesado e sanguinário, encarando a tela do meu celular enquanto digitava as palavras. depois em outro instante, aqui estava eu, sentado em um banco de madeira, com um cigarro criando uma fumaça fina e hipnótica na frente de meus olhos, prestando atenção apenas no ruído que o soprador de folhas causava no ambiente e preso no pensamento que me prendia no “amor”.

pensei no quanto eu quero te amar e te fazer se sentir amada como você foi desde esse dia, que falei a primeira vez, até um outro dia. pensei no quanto eu quero me amar, como provavelmente nunca fiz.

a verdade é que o amor sempre foi uma ideia de salvação para mim. vim de uma família cristã e protestante, onde a ideia de amor era definido por ser incondicional, impassível e objetivo, era literalmente deus. onde, em algum momento, me coloquei no mesmo cenário diante daquelas pessoas, diante daquele lugar e diante aos olhos de deus e decidi que eu não era incondicional, impassível, objetivo e tampouco deus. então, não era amor.

o amor sempre foi uma ideia de salvação para mim. na escola, apenas tive certeza — depois dos anos mais recentes de uma criança — que minha mãe me amava após ela impedir que alguns alunos continuassem a me agredir na escola.

o amor sempre foi uma ideia de salvação para mim. em um dia, quando criança, caí e bati a cabeça no chão de uma altura de três metros, minha testa se abriu e eu apenas lembro relances. lembro de meu tio, que hoje morre em uma maca de hospital por conta de pancreatite e seus anos de alcoolismo, me salvando, e tive certeza que ele me amava.

o amor sempre foi uma ideia de salvação para mim. anos atrás, meu amigo marcos decidiu me tirar de um transe depressivo que estava há meses preso ao me entregar uma oportunidade de editar vídeos numa empresa recém criada por uma conexão com o irmão dele. tive certeza que ele me amava.

o amor sempre foi uma ideia de salvação para mim. quando você me conheceu, minhas mãos e meus pulsos ainda estavam cicatrizando da minha recém tentativa de suicídio, havia muito tempo em que não olhava alguém tão brilhante e tão magnética quanto você, tanto quanto havia muito tempo em que eu não tinha certeza que a outra pessoa sentia isso de mim também. em pouco tempo, eu fui abraçado por uma onda de afirmações as quais eu nunca ouvi em minha vida. eu fui acordado com beijos e um café da manhã pronto na mesa, algo que eu nem sabia que eu queria na época. tive certeza que você me amava.

no entanto, sempre achei que nunca poderia me salvar. então, nunca poderia me amar.

me enganei ao declarar isso semanas antes. sem nem perceber, estive tentando me salvar durante o mês de agosto. consequentemente, acredito que posso me amar, sem nem perceber ou compreender o meu primeiro passo.

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