eu queimo meus dedos toda manhã. todos os dias, eu acordo, eu puxo um cigarro e antes de fumar eu acabo queimando meus dedos. é cotidiano, normal, já é esperado, é tão ordinário quanto abrir meus olhos logo após acordar.
com o tempo, meus dedos acabaram não machucando tão facilmente. agora, eu já não sinto tanta dor, mas também não consigo de deixar acender meu cigarro pela manhã, consequentemente, não parei de queimar meus dedos.
me sinto como um homem em milhares. aquele escolhido para passar ao mundo um olhar único e a pele de tantas dores, uma premissa única de vida mergulhada em infelicidade, um conceito de produção artística que só a brasa do meu cigarro que queima meus dedos pode me entregar. que só o coração partido de um antigo amor tão violento pode me entregar. que só o tédio das responsabilidades, de um dia tranquilo e de uma tarde serena pode me entregar.
é dois de julho. minhas veias congelam a cada segundo. tal qual ano passado, tal qual ano retrasado. minhas veias congelaram minhas lágrimas. elas não vão sair.
em agosto, as coisas deveriam melhorar. é a tendência, o movimento natural. ao menos, não morro, não capengo. ando, respiro.
as paredes do meu quarto derreteram, assim como as estrelas da noite anterior caíram aos meus pés, os sorrisos que estavam ao meu redor foram todos efêmeros, assim como as piadas, as risadas, as fumaças. não que sejam ruins, são ótimas. só são efêmeras.
sim, as estrelas caíram, uma galáxia inteira, elas se desfizeram ao entrar em contato no chão ordinário, perverso, metálico e desesperançoso que pisamos. pareciam tão tristes ao olhar pra mim, como me dissessem “eu queria tanto brilhar pra você, mas não consigo.”
não consegue. eu queria vê-las brilhar.
eu queria vê-la brilhar.
ficar bêbado realmente foi útil.
o dia segue, devagar, como todos.