preso em uma jaula, me sinto como um rato que é alimentado por uma sonda de alimentação presa na barriga.
ou me sinto como uma vaca velha que tem suas tetas presas em uma mangueira mecânica que bombeia o leite de dentro delas.
me sinto como um morcego que teve suas asas cortadas e foi jogada em uma caverna fechada iluminada por um holofote quente e branco.
sou um lobo que foi castrado, que teve sua língua cortada fora e seus dentes arrancados.
sou um tigre que foi dopado, pintado de uma cor só para não ter mais listras e teve suas unhas cortadas.
me sinto como um leão magro com a sua juba raspada, sua garganta cortada e costurada, diversas vezes.
sou um porco preso a uma maca esperando a próxima lavagem ser jogada em minha barriga.
foda-se os textos diários. deixo a dor reter dentro de mim até começar a cozinhar minha alma aos poucos.
tenho que me cegar, tenho que me calar. tenho que guardar meu ódio e amargor para mim mesmo.
ando com tubos conectados em minhas veias, tubos que me entregam pequenas navalhas e cortam meu interior todos os dias.
preciso deles, preciso andar sangrando e sorrir vermelho.
não sou ningúem sem minhas lágrimas.
vivo de etiquetas sociais, polidez e educação, comunicação assertiva e não agressiva, manutenção de sentimentos, distinção do que é certo ou errado.
ando como um cachorro assustado que não entende a vontade incontrolável de morder.
compreensão e falsa aceitação, controle, controle de respiração, controle do que penso, controle do que faço.
compreensão não remunerada.
posso chamar de trauma, não vai mudar o ritmo doentio que meu coração bate olhando para a linha do metrô.
perdi as contas de quantas vezes me calei, olhei para baixo, evitei os olhos de outrém, abaixei a altura de minha voz, a assertividade de minhas frases.
me confundi entre palavras, entre arte, entre música e entre meus sonhos. aniquilei todos os elogios e admirações, me convenci que não mereço nenhum deles.
afirmei que estou errado, perguntei a mim mesmo “estou errado?” e ouvi milhares de sussurros me falando “sim”.
sempre vou ser menos, sempre vou ser pouco, sempre vou ser medíocre, sempre vou ser um menino medroso, um filho teimoso, um irmão orgulhoso, um homem amargo, um amigo desgraçado.
tive um ataque de pânico hoje no caminho ao trabalho, fumei mais de dois cigarros e me mantive de pé sem encarar minha frente. eu sou o culpado disso tudo.
posso ter sido visto como ameaçador por eras, ou em uma antiga vida pude ter sido um homem ruim que arrancou vidas, posso ter sido um agressor perverso que fingiu arrependimento, hoje tudo que eu sou é um menino que pede ao próximo “não me machuque”.
desde que passei a vestir camisas brancas percebi o quão se destaca diante a minha pele. me perguntei também, o que estou perseguindo ou estou tentando conseguir incansavelmente. a ideia de paz por mais que me faça bocejar, também me fazia lacrimejar por um desejo inexplicável. gostaria de estar em paz.
mas assim como uísques caros, liberdade, viagens, praias, hotéis com mais de duas estrelas, lábios hidratados, olhos bonitos, amor materno, saúde, uma voz bonita, talento natural, esforço e ganho, gentileza, amor; paz também não foi reservada para mim.
camisas brancas significam paz, ou a busca da mesma. a medida que elas ficam sujas, você entende.
houve um tempo que vesti vermelho, e por esses meses foi quando vivi amor e sangue, sacríficio e guerra, tormento e desejo. estive mais vivo do que nunca.
talvez hoje eu busque um amor que nunca será me entregue, exijo na verdade. sugo desesperado como um vampiro toda atenção e olhar que você pode me entregar.
eu não mereço compreensão, eu não mereço entendimento, eu não mereço paciência.
eu não mereço companhia, ternura, conforto, aconchego, não mereço cobertas no inverno, não mereço uma lápide, uma cova.
diante tudo isso, me resta o ódio, que aos poucos me corrói.
o ódio, que me faz enxergar vermelho, amarelo, azul, roxo, que me faz enxergar pontos em minha visão, que abafa minha respiração, que corta a minha pele, que queima minha língua, o ódio que me impede de continuar de pé, que fraqueja meus ombros e machuca o meu pescoço, que me deixa extremamente doente.
diante de tudo isso, me resta o ódio, que me destrói completamente.
não mereço amor, mas quando tenho, me sinto livre de mim mesmo. sou uma pessoa melhor, até consigo sorrir mais, falo pelos cantos animado, sorrindo, como um adolescente atordoado e apaixonado.
esse tipo de amor não foi reservado para mim. preciso matar ou morrer para conquistar.
diante de tudo isso, me resta o ódio, que pinta minha pele de cinza, que me faz sumir aos poucos, que nubla minhas palavras, crenças, vontades.
e fico pior, a cada dia fico pior, em tudo que um dia me orgulhei em ser, me torno pior.
não quero ser assim, gostaria de vestir branco em meu funeral.