é sábado — mais uma vez
sinto um cheiro diferente no sofá
não é o meu, e sim um perfume
minha cabeça dói
não consigo reconhecer de quem é o perfume
cheira a mentira
cheira a ventania
cheira a covardia
cheira a crueldade
fede a insensibilidade
fede a lágrimas
os pintos piam lá fora
de forma insuportável
como crianças que choram
em berços retrógrados
o sol julga a todos as onze da manhã
inclusive a mim
volto a sentir o cheiro
começo a me perguntar
se é o meu ou se é o seu
são semelhantes, quase iguais
a garrafa de vinho permanece no mesmo lugar
o violão permanece no mesmo lugar
os cigarros queimam no mesmo lugar
o meu corpo sua no mesmo lugar
meus pêlos caem no mesmo lugar
as louças se acumulam no mesmo lugar
os acontecimentos se repetem e acabam no mesmo lugar
nesse lugar, nesse cheiro
nesse texto mal feito
nesse poema feio
nessa sala abafada
inundada pela fumaça
em pleno sábado