é dia de eleição
e a cidade de salvador
é tomada por todos esses homens
e mulheres que se vestem
e urram e gritam e cospem
vidros mal mastigados que
de transparência e sinceridade
não tem de nada
fazem por míseros trocados em seu bolso
não os julgo, não somos diferentes
sabendo que hoje é domingo
amanhã devo me vestir, urrar e gritar e cuspir também
sentado numa mesa e mastigando o vidro de outra pessoa
na mesma cidade ainda vamos ver
as ruas e as praças e os retornos
os inúmeros retornos
as passarelas e os bares perto da orla
que se lapidam diante da falsa esperança
que reverberam no peito dos mais jovens
os mais jovens, que amam, que odeiam
que colorem cerâmicas com vermelho
que sorriem — sem mostrar os dentes —
para fotos com flash
e se preocupam apenas em trabalhar
para entender o que é sofrer
eles sapateiam nas ruas, nas praças
nos retornos e passarelas
e tocam seus musicais dramáticos
em todos os bares que decidem necessário
normalmente os encontramos
em portões de ferro gigantes
conseguimos os reconhecer
pela beleza singular, altura do volume da voz
semelhantes aos que andam de mãos dadas
pelos mantras, pelos anéis em seus dedos
pelo orgulho de pisarem onde pisam
acreditando que será um grande e eterno voo
pela fantasia, pela casualidade, facilidade, pragmatismo nas pequenas causas
que de pequenas não tem de nada
pelas mães que se forçam a ser modernas, pelas luzes neon em casas de fumaça e pelas madrugadas frias e calorentas
são eles que um dia me pediram para escrever e cantar canções de vitória
nunca que os atendi
não por maldade
mas pela transformação inquieta
de um dia ser um jovem que sapateia
e hoje um velho covarde relaxado
o qual abandonou o seu time
abandonou sua família
abandonou seus ideais
sua lista pequena de moral
abandonou o cuidado em escrever poemas
abandonou seu segundo nome
se deu por vencido sorrisos mais novos
que definitivamente são mais brilhosos
abandonou recomeços e
manhãs de compras no mercado
onde as sacolas por mais pesadas que estejam
ainda são motivos de se orgulhar
abandonou a religião — da mesma forma que acreditou que deus o abandonou. enganado, pois abandono implica em conforto posterior—
abandonou a idealização de amar e ser amado
e de viver sem se preocupar com a morte
meus livros que se empoeiram
as cartas de presente que perdem cor
o sangue que escorre de minha garganta
e aquela voz linda que repete
“está se sentindo miserável?”
paredes brancas, ventania, clareza solar e repetição
cenário perfeito para que essa única voz
a que me visita com frequência
continue repetindo a mesma frase
“está se sentindo miserável?”
então, o carro de som passa arrastando tudo, arrancando meus órgãos e me fazendo enlouquecer
e os dois números seguidos do ato queimam minha pele enquanto clama meu voto.
meu último suspiro será dedicado ao mais novo — ou o mesmo — prefeito de salvador.