o dia sempre termina
preso em uma espécie de
otimismo irracional
onde as declarações de amor
tão distantes, voltam a me
visitar
e os beijos da mesma família
ainda são quadros recém pintados
onde quatro cervejas, justificadas
conquistadas — feito garotas
de outras cidades;
sendo que a primeira
lhe satisfaz e diz “eu te amo
e eu nunca vou te abandonar”
e a segunda te decepciona e te abandona
a terceira lhe quebra suas pernas
e a quarta te faz desistir de continuar —
e o cigarro que acabei fumando
sem querer, após ter
virado ao contrário em
minha carteira
se tornam parte da história
de uma sede que se apoia
no otimismo irracional
no desejo cego, vil
jovial e indecente, mas
ainda sim tão inocente
de perder a virgindade
com alguém que não vale a pena
tudo isso me torna
um menino em febre com seu
primeiro amor
uma estrela que se fragmenta
aos poucos
mas lampeja ao se despedaçar
no vácuo eterno
um corpo que perde sua forma
e encontra descanso
no sofá e na escuridão
de seus próprios olhos fechados
ou uma dor na bochecha
que atesta a fumaça do cigarro
enrigecendo meu muco
e quebrando meus vasos
em toda comicidade
que existe no cuspir sangue
em toda alegria de
sorrir bem, bem vermelho
pra você
me torno tudo isso e mais um
pouco, normalmente entre
dez da noite e uma da manhã
então, o dia sempre começa
tumultuado por uma neblina
ou escandaloso por uma cortina
de puro ouro do sol, pura luz
cruel que invade minha janela e
grita e berra as notícias do dia
ironizando, enquanto me dá a
certeza plena que amanhã estará
aqui de novo
junto com tudo e todos
as mesmas palavras, os mesmos
personagens dessa história
as mesmas salas, as mesmas
portas, calcinhas, distâncias
desgraças, tragédias planejadas
e intencionadas, as quais nunca
poderiam ser tragédias, nunca
maldades, justiças e os mesmos
homens que vivem em
condomínios, e dirigem
carros elétricos e persistem
em chutar o gato que
mia após ter morrido pela
sétima e última vez
os mesmos brindes
pelas mesmas mulheres
que continuaram
por séculos
insensíveis e sem brilho
nos olhos, por mais que
seus egos afirmassem
o contrário disso
e tudo isso que me pesa
me obriga a me arrastar
a continuar a beber água
e tomar banho, consegue
me transformar numa espécie
de criatura amorfa
que — por insistência — se metamorfoseou
nas pequenas e grandes
coisas/eventos do passado
um monolito de carne
que projeta os dias
e meses
e anos
anteriores, que se passaram —
e agora persistem em
repetir nos outros
sorrisos de dentes
bem, bem brancos —
enquanto enxerga toda
a estupidez presa
nas gargalhadas, reuniões
de sábado, sexo casual
pernas que se abraçam
debaixo de mesas
e mães que amam
suas filhas e seus
maridos
meu olhar no espelho
apenas confirma que
com toda certeza é entre
seis e onze da manhã
após a tarde ir embora
acendo um cigarro e
posso até chorar pensando
no que eu queria, no que
seria ou teria
mas ainda sei que
vou enxergar amor em pintas
perto de bocas vermelhas
mas
sei também que quando
o sol repetir seu ritual incansável
vou enxergar ódio em
sinais de nascença na
sua pele branca, presa
nas lembranças onde
você está nua