são tempos como esses que nos forçam a enxergar esperança em letreiros estampados em caminhões, olhares fixos na janela do metrô, recepções gentis em ambientes corporativos ou qualquer espécie de membrana urbana de nossa existência trivial.
dentro de toda frustração, quebra de expectativa, coração partido, negação sem propósito, memórias que foram deixadas de molho no ódio, o caloroso desespero da abstinência do amor, idealização de fracasso ou comportamento anti-social, existe o veneno que é a esperança.
como se seu corpo se tornasse transparente diante a neblina cinza que te persegue e a única coisa que os outros podem enxergar são seus olhos tentando brilhar entre ela.
em tempos como esses, esperança se torna uma garrafa de destilado para seu fígado maltratado e seu espírito angustiado. uma faca de dois gumes que te arrasta durante os dias enquanto te promete asas daqui a anos.
mas também, pode se tornar títulos importantes em áreas acorrentadas ao seu ego, sorrisos imperfeitamente alinhados, fotografias de cidade do interior do estado, coleguismo em ambiente profissional, debates políticos, modernismo em arte, poemas, prosas, mantras, versos e estrofes, alienação, masturbação, apatia, distância, idealização suicida ou até mesmo o ato de tentar definir esperança.
por muito tempo me julgaram um artista, não sei se por pena ou por admiração.
hoje sinto que minha lírica, ora exagerada, ora simples demais, se torna pior a cada dia em que envelheço. minha lente, retrógrada e fadada ao fracasso, se torna apenas outra maneira de contar as mesmas histórias que persisto em contar há dois anos, minhas composições não passam de melodias costuradas e recortadas de outros sons de minha natureza facilmente interpretável como arrogante.
acredito que quando chegar aos trinta ou quarenta anos com sorte, olharei para os momentos em que me encontrei encarando uma página em branco ou uma tela cheia de pixels falhos, roteiros embaralhados por minha confusão mental ou as notas desenfreadas de qualquer coisa que persisto por mais de dois ou três dias, e finalmente sentirei o teor cômico que todos vocês, leitores, telespectadores ou ouvintes, sentem ao me enxergar.
o breve contato com o amor e frequente romance com todo ódio que me formou homem, a dor que não é maior do que qualquer outro ser humano na terra e que serve de desprezo para um personagem feminino de minhas crônicas, a crença de ser um príncipe perdido em um reino de potencial desperdiçado e a soberba de imaginar que sou lido, ouvido e visto, me formou o “artista” que sou.
no entanto, de forma desesperançosa, reconheço que essa é a única forma de ter esperança.