quando você me perguntou se eu seria capaz de machucar uma lesma, eu respondi com uma risada infame.
pelo som da sua risada eu percebi que havia catarro preso em sua nasofaringe. essa foi a última risada que eu ouvi de você.
minha mente é uma praia e minhas memórias são como um tesouro perdido, a qual o movimento das ondas insistem em me entregar o mapa até lá, várias vezes, repetidas vezes.
mergulhei tantas vezes nessa água que não me permito mais, nem muito menos consigo distinguir o que é sólido ou líquido.
quando você me acordou com beijos eu acordei de um sonho para outro, me pergunto se algum dia sairei deste pesadelo para um outro.
onde você está agora?
meu estômago arde na medida que as responsabilidades do dia a dia aparecem, meu nariz e a minha garganta amargam na medida que a noite cai.
eu não seria capaz de machucar uma lesma, mas seria capaz de machucar você.
meu peito arde na medida que o reflexo das queimaduras do meu braço queimam meus olhos.
eu deveria matar você.
não de uma forma literal, mas dentro de mim, eu deveria matar você.
mas como um fungo que persiste em contaminar toda a minha folhagem, você persiste lá.
eu deveria me matar.
de uma forma literal, talvez, mas já estou fazendo isso, todos os dias aos poucos.
não te dói quando lembra que a única forma que me ensinou a amar foi essa?
não te entrega agonia quando você pensa que como um cachorro, apenas sai desse buraco insalubre da parede pra receber petiscos que foram servidos em sua mão, um carinho na cabeça e um “eu te amo” de vez em quando?
e agora, apenas me resta o buraco.
um buraco não é um lar.
você me ensinou a amar assim, e você me ensinou a chorar, a gemer, a morrer, a viver, a nadar, a olhar pro sol, a olhar pra minha pele, a andar, a vomitar e a sangrar, a correr, a fugir, a agir, a pensar, a voltar, sempre, sempre voltar, a deitar, a dormir, a acordar, você me ensinou a balançar meus pés quando fechar os olhos, você me ensinou a a odiar e a sangrar, principalmente a sangrar.
eu sangrei muito e você se banhou com esse sangue, assim como eu me banhei do seu.
mas como uma fonte que nunca cessa, seu sangue voltou e você está de pé, e me agoniza saber que essas pernas deveriam ser quebradas, mas elas estão de pé.
e eu não sei se é ódio, nojo, rancor ou amor, mas eu sinto tudo isso por você de uma forma que em meu corpo não cabe mais e eu preciso abrir espaço com álcool, drogas, facas e cigarros em minha pele. de forma que, esse espaço aberto se forma um coágulo de sangue tão rígido e tão ridículo, mas tão juvenil e desesperançoso.
eu te amo.
eu te odeio.
eu te enojo.
eu te amaldiçoo.
eu te esqueço.
eu te amo.
eu te odeio.
eu te esqueço.
eu te vomito.
eu te vomito assim como todo álcool que bebi em dor por conta de sua amargura, eu me desintoxico de você assim como toda droga que eu usei por estar desamparado, eu tusso e cuspo você assim como toda fumaça que traguei por estar em agonia.
e amanhã, quando o dia amanhecer, será mais um dia em que você e seu ego e orgulho que é maior do que qualquer coisa que você um dia pode produzir, irá te manter viva.
mas um dia, esse ego e orgulho será a água que regará minha planta de desordem e conquista.
pois assim como repeti, todas as vezes que pude, e estive certo, com a mesma convicção que eu afirmei que o sol iria voltar, eu afirmo, essa história não terminou aqui.
todas nossas histórias de amor, e todos os contos, e todas as nossas declarações, e todos os beijos, e todas os cortes em seu braço, serão terra pra sua cova.
todas as nossas traições, desprezos, angústias, medo, insegurança e ardor, e os cortes em minha mão direita, serão terra para minha cova.
e como um coveiro que sonha com uma assombração, você irá encarar o nosso fantasma.
como um corvo que se repete “nunca mais”, você voará em céus errantes enquanto chove granizo em sua cabeça.
eu espero que alguém te ensine a amar como você me ensinou.