eu sinto as minhas entranhas se moverem numa lentidão agonizante.
meus olhos insistem em me devorar quando me vejo no espelho — espelho esse que todo o dia tá mais e mais amarelado.
eu sinto minha mão se decompor quando penso e projeto as seguintes linhas “eu não sou um monstro”.
eu não sou você.
eu não sou você, mas como um camaleão passei a reproduzir suas cores.
aprendi sua coreografia e sei os movimentos exatos de como você assassina uma pessoa com sua língua.
eu não sou você, mas me deixei ser balançado e levado por uma brisa errante como aquela que você amava sentir.
queimei minhas memórias.
eu não sou você, mas até passei a refletir e a ler sobre mim, meu universo, meu brilho, e conclui o quão enorme, importante e bonito era.
e como em tempos ele esteve morto, e não por causas naturais, mas por ter sido assassinado, enterrado e esquecido.
e hoje eu me repito “eu não sou um monstro, eu não sou você” mas de uma forma extremamente vergonhosa e medíocre
já que eu sou pior
pior ao nível de não ter uma língua assassina, mas covarde.
pior pois, não consigo assumir o sangue que escorre pelos meus dedos; que bombeia na palma de minha mão.
pior pois, no lugar do temor e respeito, tenho lucro.
eu não sou um monstro, sou a criação do mesmo.