hoje eu perdi dois ônibus
por um cigarro
de filtro branco
me sentei no
concreto e
pensei
"porra, eu
não sou
um garoto."
acabei de voltar
do meu primeiro
dia de trabalho
passei no bueiro
atrás dos ratos
e os
encontrei
eles alegraram
minha noite
desci as passarelas
um bêbado reconheceu
a minha jaqueta
"é o verme, né não?"
"é, é sim"
"eu conheço ele"
"eu também"
esse bêbado comprou
um cigarro para mim
eu perdi meu ônibus
dois dele
eu pensei então
porra, eu não sou
mais um garoto.
essa terra poderia
ser minha
se tivesse dezoito
de novo
se tivesse ainda
aquele mesmo
fôlego
só se eu fosse
novamente
garoto
se eu ainda
fosse
aquele maxilar
esculpido
em rosto
se eu tivesse
o mesmo
esforço
em abaixas
calcinhas
e conquistar
ouro
se eu estivesse
no mesmo
poço
que me formou
um homem
morto
mas que me
afiava como
uma lâmina
em couro
se eu fosse
o mesmo
garoto
eu inundaria
rostos
sequestraria
sorrisos
e calaria os
loiros
de sorriso
claro
olhos azuis
e com aquele
fôlego de
garoto
hoje a
cidade me
tem como
filho bastardo
os bueiros se
tornam
solitários
e fervem ao
meu caminhar
e ao meu
deitar em
que me
despeço
penso que
durmo com
fome
e com a
incerteza do
que vou comer
amanhã
mas os ratos
sempre estarão
em minha espera
e eles
me recebem.