de um ano e meio pra cá eu estive exercendo uma função primordial na minha vida: odiar.
o ódio que por algumas vezes teria me acompanhado na minha infância e no começo da minha juventude, retornaria na flor da idade.
não sei se foi o amor quente, perdão, quente não, fervente, que foi me apresentado que cozinhou meu ódio a esse nível ou se foi a tendência natural de uma criança amendrotada.
passei a odiar skatistas de início, odiava a forma que falavam, andavam, suas manobras, suas roupas, seus feitos. não aguentava passar por um sem rogar uma praga, mesmo tendo um primo meu que era um skatista, antes de seu pai ter sido sequestrado e depois morrido por conta de uma doença. depois disso ele quis servir ao exército e nunca mais falou sobre seus sentimentos com ninguém. mas isso não vem ao caso.
odiava mesmo esses skatistas. depois comecei a odiar professores de história, principalmente esses espertinhos metidos a engraçados. depois, comecei a odiar universitários, todos esses estudantes orgulhosos de seus feitos, desde os que raspavam a cabeça por ter conseguido passar, até aqueles que só estavam interessados em usar droga e beber incontrolavelmente. enxergava animais movidos por sentimentos tão quentes e úmidos que não conseguia nem ao menos falar com eles.
depois, foram os nerds. todo tipo de cidadão que era extramemnte engajado em um tipo de assunto cujo nicho era extremamente fechado ou tal conhecimento era tão grande que ele só vivia falando sobre aquilo e todos conheciam ele por causa daquilo.
depois, comecei a odiar os supervisores, as pessoas que intermediavam a comunicação e o trabalho entre patrão e funcionário. os filhos da puta que receberam mínima atenção de seus chefes após chupar seus respectivos paus por anos e hoje se orgulhavam em dar ordem pra qualquer suburbano miserável que aparecesse por lá.
depois, os mecânicos. preguiçosos, a grande maioria eram preguiçosos e eram apenas desleixados e sujos.
depois, os sábados. pensei comigo por muito tempo, como era possível eu odiar tanto um dia. e eu tentei muito gostar dele, fazer dele um evento, mas eventualmente acabou caindo em desuso, não fazia sentido. em todo os lugares que eu ia no sábado, eu não me sentia incluso. abandonava parte de mim em casa e encontrava um outro “eu” nos bares, boates, baladas, bocas. nunca me representaram, nunca me disseram nada, nunca foram nada além de ódio, ódio esquecido e coagulado.
consequentemente também odiei os domingos e as segundas.
odiava ressacas, principalmente as de cocaína com álcool, eram terríveis e me deixavam suicida, com o nariz congestionado e o coração extremamente acelerado o dia todo, além da fadiga horrível.
depois, eu comecei a odiar muito o meu trabalho. com razão.
depois, odiei minha mãe, finalmente.
depois, comecei a odiar programadores, a questão era muito parecida com a dos nerds, mas algo me irritava profundamente, a quase certeza de que eles seriam bem sucedidos na vida ou a instantânea segurança que eles poderiam ter em estar participando de um mercado que esteve em ebulição. odiei todos. nunca saberiam a possibilidade de abandonar uma carreira e provavelmente morreriam fazendo aquela mesma coisa.
odiei meu amigo edmarcos e provavelmente odeio ele até hoje.
comecei a odiar artistas. músicas, filmes, livros, poemas, tatuagens, desenhos.
comecei a odiar minhas próprias obras.
odiei o catolicismo, de forma ferrenha, de forma que muito provavelmente me garanta uma vaga especial no inferno, mas odiava principalmente os católicos.
odiei ciclos sociais, o ato de fazer amigos, o ato de propor alguém em casamento, em terminar com alguém. odiei o início e o fim.
odiei meus próprios amigos.
odiei minha irmã.
odiei uísques caros, tênis extremamente bonitos, odiei viagens e shows grandes, odiava aquela vizinha no prédio que eu morava que colocava um som muito alto todos os domingos a noite, odiava muito ela.
odiava um jovem muito estranho e muito feio e provavelmente homossexual, apenas pelo fato que ele era feio e sua personalidade era desagradável.
odiei regionais, basquete, NBA, todos os times da NBA, bairros de salvador, bares específicos de salvador, quadros, fotografias, tempos, odiei tempos nublados que fizessem calor, me sentia enganado.
odiei pessoas que nem viram o meu rosto.
odiei os latidos do cachorro que tanto me ama.
no fim, passei a me odiar mais que tudo citado anteriormente.
algumas dessas coisas eu odeio até hoje, outras o tempo levou com si. mas todas elas foram reflexos de um medo que rachava minha alma todos os dias.
afinal, não há resposta mais sincera para o medo do que o ódio.