saio pra fumar um cigarro
nem bêbado e nem sóbrio
apenas intoxicado
vomitei algumas vezes em casa
o suficiente para não vomitar aqui
minha cabeça veio junto comigo
o professor fala como nunca
fala como nunca lá dentro
alguém morre do outro lado do mundo
compra um cachorro quente
goza
nasce
mija
nem bêbado e nem sóbrio
tenho boa memória
lembro dos acontecimentos
em determinados lugares
dos sorrisos
dos olhares
das críticas
dos elogios
lembro de tudo
só não lembro de minha infância
mas de resto, lembro de quase tudo
os homens de barbas preenchidas
cabelos tingidos
as mulheres com seus shorts
pretos, cinzas, azuis, brancos
o suor abaixo dos peitos
do professor
aquela menina
que eu nunca, nunca mesmo
vou falar mais
a dor de cabeça
esse lugar inteiro
que raiva!
que revolta!
que coisa é essa?
dentro de mim?
que morre e morre e morre
nem bêbado e nem sóbrio
o avião que passa acima
de minha cabeça
as risadas dos estudantes
a inveja pura
e infantil
eu quero a bola de futebol deles
quero a tv deles
quero os olhos claros
e a cor da pele
e a facilidade de pentear
dos seus cabelos
e seus sobrenomes
quero ser eles
quero andar de jet ski
ir pra praias
falar de meu pai
de suas ocupações
usar camisa de bandas
namorar
segurar mãos e braços
enquanto ando pelo campus
torturar uma pessoa
até a morte
rir de sua falha
de sua desgraça
fazer amor em seu túmulo
conquistar o mundo
tomar um ibuprofeno
e dormir em paz
trabalhar apenas
para criar senso de responsabilidade
dar aulas
rir, fumar, beber, com pessoas
em mesas, em festas
tocar em peles
andar de moto
motos caras
motos coloridas
admirar sorrisos
elogiar aparência
morar em casas grandes
no alphaville de salvador
suítes e suítes e suítes
e padrastos
e gatos e inúmeros gatos
e namorados e inúmeros namorados
e piadas, risadas, lamentos
drinks, gin e tônica
bebidas coloridas
cheio de enfeites
malvadezas
e crueldades
e festas, eventos, natais
anos novos — no plural
e viagens
e objetivos
e conquistas
e beijos
beijos de língua
beijos apenas de lábios
e ônibus particulares
e fotografias
enquanto estou distraído
pois sou mais bonito
e restaurantes universitários
e amigos
grupos de amigos
que se alteram
mudam sempre
de semestre para semestre
para que não desgostem de mim
para que sempre me achem
uma ótima companhia
um cara engraçado
um cara pacífico
e quieto
lutas políticas
mantras
religiões
e dietas regradas
e nunca, nunca mais
ânsias de vômito
imagens de cristo
em lixeiras
textos que me inspiram
escrito pelo gallas
nunca mais dores na coluna
nunca mais vergonhas
nem cuecas rasgadas
nem vômitos no banheiro
da faculdade
nunca mais
espelhos distorcidos
nunca mais
mães que sofrem
ou não me amam
nunca mais mulheres
mulheres que fogem
gargalham
se embriagam
apenas mulheres que
querem casar comigo
querem viver comigo
e sentem pena de mim
e sentem compaixão
e sentem vontade
de ter o meu filho
porque acreditam
com a alma
que será melhor que eu
nunca mais corações partidos
apenas tardes quietas no escritório
e respeito
só isso e cabelos descoloridos
só isso e
tudo isso
e mais um pouco
falar mais que o professor
mais, sempre mais
sempre
escrever poemas
compor músicas
terminar roteiros
gravar curtas
e ouvir “você é um gênio"
de uma loira
atriz, paulista
em um bar, de sardas
e olhos verdes
e voz branda
quase que
sonolenta
ou
plástica
ou até mesmo
inexistente
imaginária
que passa a mão em minha
perna, coxa
e repete “você é um gênio"
ao ponto de que
quase digo
“posso lavar sua louça?”
de tanta gratidão
ridículo
feio
vai embora vai
nem bêbado e nem sóbrio
cigarros e cigarros e cigarros
e suítes imaginárias
acho que ele deve gostar de lá
risadas disfarçadas de refluxos
reflexos e palavras parecidas
mortes, inúmeras
nem bêbado e nem sóbrio