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3 min readSep 30, 2024

saio pra fumar um cigarro

nem bêbado e nem sóbrio

apenas intoxicado

vomitei algumas vezes em casa

o suficiente para não vomitar aqui

minha cabeça veio junto comigo

o professor fala como nunca

fala como nunca lá dentro

alguém morre do outro lado do mundo

compra um cachorro quente

goza

nasce

mija

nem bêbado e nem sóbrio

tenho boa memória

lembro dos acontecimentos

em determinados lugares

dos sorrisos

dos olhares

das críticas

dos elogios

lembro de tudo

só não lembro de minha infância

mas de resto, lembro de quase tudo

os homens de barbas preenchidas

cabelos tingidos

as mulheres com seus shorts

pretos, cinzas, azuis, brancos

o suor abaixo dos peitos

do professor

aquela menina

que eu nunca, nunca mesmo

vou falar mais

a dor de cabeça

esse lugar inteiro

que raiva!

que revolta!

que coisa é essa?

dentro de mim?

que morre e morre e morre

nem bêbado e nem sóbrio

o avião que passa acima

de minha cabeça

as risadas dos estudantes

a inveja pura

e infantil

eu quero a bola de futebol deles

quero a tv deles

quero os olhos claros

e a cor da pele

e a facilidade de pentear

dos seus cabelos

e seus sobrenomes

quero ser eles

quero andar de jet ski

ir pra praias

falar de meu pai

de suas ocupações

usar camisa de bandas

namorar

segurar mãos e braços

enquanto ando pelo campus

torturar uma pessoa

até a morte

rir de sua falha

de sua desgraça

fazer amor em seu túmulo

conquistar o mundo

tomar um ibuprofeno

e dormir em paz

trabalhar apenas

para criar senso de responsabilidade

dar aulas

rir, fumar, beber, com pessoas

em mesas, em festas

tocar em peles

andar de moto

motos caras

motos coloridas

admirar sorrisos

elogiar aparência

morar em casas grandes

no alphaville de salvador

suítes e suítes e suítes

e padrastos

e gatos e inúmeros gatos

e namorados e inúmeros namorados

e piadas, risadas, lamentos

drinks, gin e tônica

bebidas coloridas

cheio de enfeites

malvadezas

e crueldades

e festas, eventos, natais

anos novos — no plural

e viagens

e objetivos

e conquistas

e beijos

beijos de língua

beijos apenas de lábios

e ônibus particulares

e fotografias

enquanto estou distraído

pois sou mais bonito

e restaurantes universitários

e amigos

grupos de amigos

que se alteram

mudam sempre

de semestre para semestre

para que não desgostem de mim

para que sempre me achem

uma ótima companhia

um cara engraçado

um cara pacífico

e quieto

lutas políticas

mantras

religiões

e dietas regradas

e nunca, nunca mais

ânsias de vômito

imagens de cristo

em lixeiras

textos que me inspiram

escrito pelo gallas

nunca mais dores na coluna

nunca mais vergonhas

nem cuecas rasgadas

nem vômitos no banheiro

da faculdade

nunca mais

espelhos distorcidos

nunca mais

mães que sofrem

ou não me amam

nunca mais mulheres

mulheres que fogem

gargalham

se embriagam

apenas mulheres que

querem casar comigo

querem viver comigo

e sentem pena de mim

e sentem compaixão

e sentem vontade

de ter o meu filho

porque acreditam

com a alma

que será melhor que eu

nunca mais corações partidos

apenas tardes quietas no escritório

e respeito

só isso e cabelos descoloridos

só isso e

tudo isso

e mais um pouco

falar mais que o professor

mais, sempre mais

sempre

escrever poemas

compor músicas

terminar roteiros

gravar curtas

e ouvir “você é um gênio"

de uma loira

atriz, paulista

em um bar, de sardas

e olhos verdes

e voz branda

quase que

sonolenta

ou

plástica

ou até mesmo

inexistente

imaginária

que passa a mão em minha

perna, coxa

e repete “você é um gênio"

ao ponto de que

quase digo

“posso lavar sua louça?”

de tanta gratidão

ridículo

feio

vai embora vai

nem bêbado e nem sóbrio

cigarros e cigarros e cigarros

e suítes imaginárias

acho que ele deve gostar de lá

risadas disfarçadas de refluxos

reflexos e palavras parecidas

mortes, inúmeras

nem bêbado e nem sóbrio

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