Confundir bondade com fraqueza é o primeiro passo de uma alma se tornar demônio.
Eu fui obrigado a perder desde cedo, comecei atrás de todos vocês. Quando menor, eu estava no fundo, de cabeça baixa e olhos caídos. Os olhos caídos permaneceram, o resto não; hoje eu sou o inimigo número um da derrota.
Sádico, dissimulado, ordinário, mentiroso, todas as placas que me pregaram foram reflexos de uma criança que desconhecia o ato de poder algo.
No fim, poder algo se resumiu a poder. Apenas poder.
Não importa o que, é necessário conquistar, não importa como, não importa contra quem, e é justamente aí que uma alma se torna demônio.
Quando eu era criança, todos rezavam por mim, mas mesmo assim essa preces nunca foram atendidas, foram anos vivendo na sombra da fraqueza, foram anos sendo subjugado a nada.
Mas eu já mostrava traços de um pássaro errante, tentando ser o melhor. Entre os primos, a minha TV era a maior, no futebol, minha cobrança de falta era gol.
Na escola, morria para participar de uma partida, era muito ruim na opinião de meus colegas. Joguei uma partida, fui empurrado em direção a trave, quebrei o nariz e fui para o hospital. Pediram desculpas, eu não aceitei.
E juravam que rezavam por mim.
Não tenho memórias boas de antes, tenho apenas ideias que fazem sentido ser quem eu sou hoje.
Há 1743 dias eu venho passando por algo. Uma metamorfose violenta, e de forma literal, danosa pra todos que me acompanham.
2018, o ano que eu fui o protagonista de algo. Quebrar um ônibus particular, desmaiar no colo de um amigo abusando de substância, pertencendo de algo e sendo notado por ser de algo. Um coringa na festa.
2022, conquistei o mundo. Último andar de um edifício empresarial, submerso de falsas esperanças, amando meu irmão mas sangrando por mulheres.
2023, fui derrotado pelo mundo. Subsolo de uma concessionária, afogado de desesperança, abandonado por mim mesmo, abandonando todos que eu amei, perdendo o nariz em cocaína e o fígado em álcool, bebendo o sangue de outras mulheres.
2024, março, 17, 01:01 da manhã. E agora? O que falta?
A primeira resposta que me vêm a cabeça é amor. Que foi justamente o que me faltou nesses anos.
Não amei minha mãe em 2023, pensava nela em cada droga que entrava em meu corpo, mentia com a mesma tranquilidade falando que estava chorando no banho e não cheirando uma carreira no chão do banheiro.
Não amei meu irmão, abandonei ele, apenas liguei pra ele quando decidi me matar e por consideração o avisei.
Não amei meu pai. Mas também, acho que ele me ensinou a ser assim.
Não amei meus avós, que até hoje só me pedem uma coisa, parar de fumar. Infelizmente, morrerão sem serem atendidos.
Não amei a menina que eu jurei mais amar na vida. Poderia ter feito tanta coisa diferente, mesmo não mudando o resultado de nada.
Não amei minhas conquistas, não amei meu corpo, não me amei.
E a até hoje, não enxergo resquícios de amor.
Apenas tive contato com fragmentos desse amor hipotético, celestial, sagrado, curandeiro.
Porque sim, o amor incondicional cura um pássaro errante.
E para todos as almas rasgadas, para todas as almas que eu rasguei e para minha alma que se tornou um demônio dentro de mim.
Busque o amor.