quem dera ser um deserto
pra não me molhar
com essas memórias secas
estiradas num varal
expostas em um mural
de ressentimento e dúvida
da cotidiana tentativa
de vender saudades
desprovida de verdades
sou a construção de todos os dias
que passamos juntos
sou o produto da tormenta
de uma única transa lenta
de viagens em ônibus no fim de tarde
a anulação da consequência
a eterna tentativa de não ser
e há muito tempo não há espaço para você
mas ainda existe um lugar aqui
o qual você chamou de lar
esquecido em um canto cheio de teias
estou cheio de queixas
a fazer dessa pequena aranha
fantasmagoricamente
ela me segue pra onde vou
e consiste em determinar o que eu sou
um aglomerado de lembranças
uma criança em seu primeiro dia de aula
o resumo textual do ato de sentir falta
e com calma
acredito que aos poucos
vou adotando essa pequena aranha
que tricota o fim em lapsos
que produz desenhos em um quadro
corpos atravessados em uma fila
o suposto rancor
ou a premeditada indiferença
perdi minha linha de raciocínio
definitivamente, um caso de amor clínico