santos se senta em seu sofá barato. ele está há alguns meses planejando pagar uma limpeza para ele, porém, enquanto isso ele usa uma capa com estampa de onças para se livrar do ridículo.

ele fuma um cigarro vermelho, que apaga em um cinzeiro cheio de outros cigarros vermelhos. cinzeiro este que descansa em um banquinho branco manchado de preto, de forma inaceitável para santos.

sua tv, que persiste queimada com as cores algumas opacas outras saturadas, mas sobretudo, um eterna e longa falha cheia de cores rosas e azuis que toma conta da maioria da imagem, toca as suas favoritas dos beatles.

santos guarda um caderno de um antigo amor, nele ele realiza algumas anotações.

seu olhar apático e sua língua cinza nunca diria e nem afirmaria ser algum tipo de produção, muito menos um poema.

são anotações, relatos de sua vida comum.

ele sente sede, mas persiste em fumar outro cigarro, enquanto isso, acaba relendo sua última anotação, que diz:

vocês aindam vão dizer "me desculpe".

pois se eu quisesse, seria um ator. mas não, morro de medo de estar na frente das câmeras.

se eu pudesse, seria um político. mas não, sinto nojo de exercer a mesma veemência de convencer que está tudo bem aos pobres que vocês tem.

se eu quisesse, seria um escritor. mas diferente de vocês, eu não tenho o orgulho do que me proponho a rabiscar ou digitar, que seja.

se eu quisesse, seria um dançarino. mas diferente de vocês, não acredito que meus movimentos, crenças e coreografia sejam tão atraentes assim.

da mesma forma em que estive na frente de vocês, e ouvi palavras lindas vangloriando meu olhar para colagens e eventos dentro de um programa desumano; eu estive também do outro lado da mesa, sendo considerado descartado.

com um pesar que não me convence, na verdade, não convence ninguém, além de vocês mesmos. promessas sem teor de responsabilidade que nunca seriam cumpridas, meu corpo que enrigece e congela de acordo ao seu olhar, histórias que não se cruzam com a minha e até mesmo, exemplos apenas determinados pelo ego de um homem perdido no que se diz verdade.

vocês desconhecem do que é arte, mas não se preocupem, vocês nunca vão precisar disso. não só isso, mas vocês são desprovidos de qualquer traço relevante da humanidade que move o ser a tomar decisões cruciais em sua vida.

assim como bebem e gozam da fonte da riqueza, me sinto são e salvo ao pensar que estou sendo pago. coisa que vocês não vão fazer.

santos ri.

john lennon diz “i’d love to turn you on”.