o ar de setembro surgiu
enquanto arranhava minha pele
feito metal e lume frio
arrancou toda minha veste
me perdi por agosto inteiro
percorrendo cumes e vales
cheios de rosas sem cheiro
algum tipo de beleza traste
encarei quadros vazios
esculturas insignificantes
sem dar nenhum pio
nada poderia ser como antes
me convenci que a paz
nunca iria me encontrar
minha lápide que diz “aqui jaz”
meu amor nunca iria visitar
a vida continuava me chamando
para dançar um baile tortuoso
meu corpo esteve recusando
preferia um lar de fogo fosco
não encararia a noite
não suportaria a madrugada
todas suas cores eram açoite
igual sua boca fechada
a manhã estaria densa
junto com uma neblina
amorfa, cruel e extensa
igual a minha menina
sentindo o gelo do mar
encarando meu espelho
perceberia sozinho estar
e nada mudaria tão cedo
o vermelho que pulsa
na orla dessa cidade
me provocava repulsa
e pavor de maldade
me chamava covarde
ao tremer diante os fatos
me sentia uma fraude
ao repetir atos falhos
ao achar que dessa vez
apenas dessa vez
você voltaria talvez
você voltaria, talvez
ao nível de meu pé
olhei ao concreto
ouvi as ondas em ré
e seu corpo ereto
seus olhos fechados
sua boca quieta
seus dedos parados
sua sobrancelha reta
minha mão passeava
por todo seu rosto
era demais para mim
para meu coração-garoto
meus olhos encheram d’água
se afogaram naquele sentimento
tão quente as lágrimas
resultado de um amor violento
repetindo-se para sempre
num recorte de espaço-tempo
estava lá, em minha frente
você, seu descanso no relento
uma lembrança paralisada
pela areia molhada
pelo cheiro da água
pelo o que damon cantava
um sentimento preservado
feito um perfume de flor
que está lá, fica impregnado
a certeza eterna do amor
em um único breve momento
não houve agonia, desespero
apenas as ondas e o vento
era primeiro de janeiro