toda água do mundo esteve no nível de meus pés
e toda a água do meu corpo escorreu pelo meu rosto
arrastando contigo a funcionalidade e a praticidade
das coisas mais triviais do presente
como se fosse necessário nadar um oceano inteiro
para pular poças d’águas rasas
de um dia chuvoso
a água mancha os vidros e os espelhos
e não tem uma única coisa que eu possa fazer sobre isso
apenas olho os feixes de luzes que passam
e passam
e vão, chegam, passam
ainda lembro de quando conseguiria
pintar quadros com esses lampejos
costumava pegar estrelas com os dedos
e extrair brilho em papéis, em sons, em quadros, colagens, cortes e em tintas, na fumaça estampada em todo céu de toda a cidade e em manhãs de boca seca e mau hálito
hoje, não mais. como um anjo que perdeu suas asas
que costumava a voar por séculos em frenesi
sem nunca ter saído do solo
o que importava era apenas o vento que soprava em meu rosto
esses feixes impossíveis de manipular e as estrelas que foram roubadas de mim
apenas provocam um calor insuportável, tal qual o inferno
no entanto, ainda tenho forças para desejar que
toda essa água se torne em sangue
que todos esses anjos se tornem estátuas
que todos esses feixes se apaguem
e que todas essas estrelas morram junto comigo