e se tudo tiver sido apenas um sonho?
entre todas as luzes dessa cidade, os cantos de minha casa, os pedaços de alho, as roupas molhadas no varal, eu encontro um pouco de mim.
o espelho insiste em me contar mentiras pela manhã e as fotografias escreveram um conto cruel.
leio essa história para mim mesmo, todos os dias e no fim eu me pergunto:
“e se tudo tiver sido apenas um sonho?”
meu coração que bombeia esse sangue negro, minhas vísceras que entortam ao encarar minha dor ou a solidão que rasga e corta minha pele de forma fina, tudo isso é real.
mas quando penso nesse pequeno anjo, nesse estrela avermelhada, nos cantos de nossa galáxia, nesse furor interestelar que você é, nesse demônio perfeito, em minha droga, meu signo, meu vinho, minha carrasca. quando lembro desses toques ferventes que marcaram minha pele, dessa língua que deixou minha boca órfã, desse corpo que flutuava entre o contraste de cores do meu corpo, eu me pergunto:
“e se tudo tiver sido apenas um sonho?”
eu te teria toda vez e em qualquer tempo. seu amor me adestrou, me castrou e me enjaulou. me formou um homem quieto. sua bondade passageira me fazia enxergar brilho em barras metálicas, a latir sorrindo, abanando o rabo esperando o próximo afago. sua maldade constante me laçava pelo pescoço e me enchia de ira, vida, energia e amor.
seu sorriso perfurou meus órgãos e até hoje sangro por ele. as pontas dos meus dedos estão queimadas apenas por terem passeado em seu rosto, enquanto fitava seus olhos e sem lutar contra, lhe entregava um sorriso.
e se tudo tiver sido apenas um sonho?
pois parecia. seus olhos nunca estavam fixos na realidade e produziam uma espécie de véu sombrio, por que não seria então você um produto de minha cabeça? o símbolo que me formou escritor, amante e um arauto da dor.
meu amor, minha assassina, eterna noiva e amante de outras vidas. ao menos terá você mesmo existido?
meu corpo treme, meu estômago arde, meu olhar pesa, minha cabeça recoa a procura de um descanso que eu nunca vou ter.
meu pescoço tensionado e minha lirica exagerada, dramática, meu melancolismo condescendente não conseguem descrever a dor de não encontrar você.
mas, eu apenas me sinto feliz por ter encontrado você.
e entre as vidas, eu espero encontrar você, de novo.
nem que seja em meu próximo sonho.