em meu sono vi um
mundo que
não havia mais cristo e
nem os dogmas que os
romanos destruíram
as crianças eram demônios
expostas em circo aberto
e naquele dia, assim como os
outros
abandonamos dois amigos
ficaram pela estrada
junto com animais que
agonizavam, semi-mortos
quase entregues a total
escuridão
suas pernas estavam quebradas
e sangravam pela boca
gemiam, mas não sabíamos
o motivo — estavam mortos
ou quase —
um ônibus amarelo atravessava
o país, mas nunca saberíamos
onde estávamos, onde íamos
sempre empenhados em apenas
fugir dali, de onde fosse
e você ao meu lado
me cobrava dinheiro
enquanto eu sorria e
aproveitava os segundos
que tinha contigo
todos os homens cuspiam
fumavam cigarros de palha
eram terríveis e maldosos
mas você me olhava e apenas
se preocupava com seu dinheiro
com suas roupas, com seu prazer
com suas viagens e com
a vida que abandonou antes disso
mas eu sorria e aproveitava
os últimos segundos que
tinha contigo
os céus se revoltavam
e roda, mexe e vira
se envermelhavam
as mães seguravam suas
bolsas vivas, seus sonhos
abandonados, pela mão
e choravam enquanto
falavam sobre Deus
depois da terceira vez
em que você olhou, calada
e colocou a mão em meu
rosto
eu acordei
e em minha clareza
ainda via um mundo sem
cristo e tomado pelos romanos
e seus cavalos trotavam
em nossos jardins
homens terríveis os
chicoteavam e decidiam se
nós viveríamos ou não
os céus se revoltavam
e por algum motivo
persistia em um azul hostil
as crianças eram pesadelos
de um futuro não concebido
as mães se lamentavam
pela ida de seus filhos
os amigos, as galinhas
persistiam mortos na calçada
gemendo e agonizando, ambos
ônibus amarelos ainda
atravessavam o país
e em minha alma
sentia vontade de fugir
sem pensar para onde ir
apenas empenhando
em sair dali
tudo está aqui
tudo, menos você