uma barata invadiu o set de filmagens e foi violentada em pedaços
um coelho com mixmatose foi dado como morto
um morcego com raiva foi acovardado pela luz
um cão sarnento vagava pelo tempo nublado
um dia eu vou formar asas e vou te puxar pelo pé
uma reação química de uma criatura em sofrimento
um demônio que reafirma sua existência todo dia no inferno
um pombo que é atropelado na avenida em plena luz do dia
um porco que nunca conseguiu ver a cor do céu
um dia eu vou criar asas e vou te puxar pelo pé
uma abelha que não vê a hora de entregar sua ferroada final
um gato preto sem bigode, sem olfato e com medo da água
um grilo que esqueceu sua partitura em casa
um anjo que não enxerga seu reflexo
um dia eu vou formar asas e vou te puxar pelo pé
o último ponto final dessa história
a indecência de um tempo que não volta mais
a prisão de carne nesse corpo que não me pertence
a piscina de vazio que minha alma afunda
um dia eu vou criar asas e vou te puxar pelo pé
o tubarão cego que nada a direção contrária
os supostos olhos de minha filha morta
o sangue que escorre de minha última vítima
o rio de lama no qual fui sepultado
um dia vou criar asas e vou puxar te puxar pelo pé
o perfil eterno de um mártir romântico
o sorriso discreto da insígnia do ódio
o circo que pega fogo e o palhaço sádico
as pontas dos meus dedos em sangue
um dia eu vou criar asas e vou te puxar pelo pé
um rato contagioso perdido em seu próprio esgoto
uma mariposa metamorfoseada tentando sair da noite
um peixe desescamado que se treme em solo quente
um verme emético que mastiga seu corpo branco vagarosamente
um dia eu vou criar asas e vou te puxar pelo pé
uma aberração frustrada de natureza maldosa
um urso pardo enjaulado e acorrentado
a última crítica e o último beijo
o último olhar e a última vaia
um dia eu vou criar asas e vou te puxar pela saia