ainda há um rastro seu em mim
um que se rasteja no meu dia a dia
e move os músculos do meu rosto
a formar uma expressão deplorável
ainda há um vestígio do passado
que se rasteja dentro desse quarto
e me faz demonstrar desprezo
sempre que me olho no espelho
ainda há um cheiro de solidão
que me aguarda todos os dias
ao abrir meus olhos pela manhã
e ver um manequim ao meu lado
dentro de meu crânio
na ponta de meus pelos
no cálcio de meus ossos
ou na íris do meu olho
na carne de minha língua
no suor de minha pele
no ácido de meu estômago
ou na úvula avermelhada
nas vias respiratórias
nas cores de meu braço
ou das minhas cicatrizes
em minhas veias saltadas
e no sangue que corre
no coração fraco
e no pulmão frágil
ou na coluna dolorida
em todo meu corpo
ainda resta uma última
dúvida
cruel
que ressoa em minha mente
como um sino
e repete
“por que?”
pois ainda há um vestígio
de você
quando leio palavras
e formo frases
que apenas nós
podíamos entender
ou quando sou tentado
a rir em consolo
de algo que riamos
juntos, o tempo todo
pois ainda há um vestígio
seu, aqui
de tardes avermelhadas
e sonolência adiantada
ou calor provocado
de dois jovens revoltados
meu dia é interrompido
por memórias involuntárias
que fazem o favor de iluminar
o escuro desse quarto
pois ainda há um vestígio
nosso
em mim
não sei em ti
mas ele vive
e sempre vai existir