como um gato que com medo se esconde atrás do armário, assustado com as bombas de são joão ou de fim de ano sem a ternura de seu dono
novo, passei escrever em um diário quando me vi abandonado e sem ninguém ao meu lado para desabafar. lembro que meu primeiro texto lírico, ou poema como queira dizer, algo não literal, foi sobre a cidade falar comigo. as placas, o mar, as luzes, o frio, o ranger do metal. ao sentar em um banco tive minha primeira inspiração para um texto, havia algo dentro de mim que precisava e com urgência ser retirado, precisava. e assim eu fiz, me senti bem no instante seguinte. desde então, em tempos de dor, quando um buraco se abre em meu peito, preciso preenchê-lo, na intenção de retirar esse câncer.
mais velho, foquei nos poemas, e me tornei bom nisso, quase instintivo, havia momentos que formava rimas e líricas ao falar sem mesmo perceber. ao pouco, conheci o amor, e quando digo amor, o verdadeiro. o singelo, o violento, sanguinário, mercenário, colérico e afetuoso amor. o qual me queimou tanto quanto a tristeza que senti em toda minha vida, o qual abriu meu peito e dilacerou meus pulmões de uma forma muito mais arrebatadora do que os milhares cigarros que já fumei em minha vida. o amor que escureceu meus lábios, e afinou e afiou meus dedos, fazendo eles assim agulhas com tinta vermelha na ponta.
mesmo assim, ainda retirava o câncer.
a arte, ou como minha arrogância permite chamá-la, sempre foi uma droga para mim. como heroína, me fazia voar, relaxar, dormir, entrar em transe. percebi hoje que vodka não faz o mesmo efeito que antes, bebi metade de uma garrafa e não fiquei bêbado propriamente dito.
meus poemas são como vodka, não fazem o mesmo efeito de antes. arte morta. mas a qual eu continuo amando e homenageando orixás. francamente te digo, faço isso pelo amor, pela dor, mas não pelo ânimo e pelo orgasmo, não pelo êxito de completar um poema e não pela recompensa de alívio e cura. não faz mais efeito. escrever é ótimo, mas a dor na barriga continua aqui, a falta de ar e as lágrimas inexplicáveis continuam aqui, a solidão noturna me persegue e não tenho mais o refugio de antes. essa tela branca me informa menos coisas do que um dia me informou. e ainda choro ao pensar no menino que ouviu o sussurro da placa perto da praia e pensou “é isso”. ainda choro ao ouvir o mar naquele dia, ainda choro quando lembro os meus cigarros fumados nesse dia, a cerveja, a volta. não sou mais o mesmo. vodka não faz o mesmo efeito, nem poemas.
me pergunto quando ficarei bêbado com algo novamente. passei a escrever músicas recentemente, mas ainda não sou bom o suficiente e nem me expresso com dor como fazia com poemas, com exceção de ontem de madrugada, não chorei em nenhumas das vezes fazendo.
me pergunto quando ficarei bêbado novamente.
hoje, meu gato se escondeu no meu armário e me perguntei, por que deixo as bombas me assustarem na falta de quem eu amo? talvez não haja um armário em minha vida.